Das camadas que levam ao intangível

Primeira camada: O olhar. Tinha dificuldade em olhar nos olhos. Sempre. Na maior parte do tempo fitava o nada enquanto a cabeça martelava um milhão de coisas para fazer, falar e sentir. Mas quando ia pôr em prática... o NADA triunfava. Talvez por acreditar que ao permitir alguns minutos de profunda contemplação aos outros seria possível decifrá-la sem muito esforço.

Segunda camada: O falar. Tinha dificuldade em deixar as palavras fluírem naturalmente, sem deixar bem claro que pensava exaustivamente, mas não estrategicamente antes de proferi-las. Transbordava sinceridade, mas como era difícil falar o que realmente sentia. Então falava POUCO. Talvez por acreditar que ao permitir aos outros alguns minutos de prosa descontraída seria possível decifrá-la sem muito esforço.

Terceira camada: O gesticular. Tinha dificuldade em deixar que os gestos acompanhassem a tão martirizante prosa ou apenas o silêncio. Na maior parte do tempo permanecia com os braços cruzados, mas não porque queria deixar claro que estava fechada para o mundo e sim porque não sabia mesmo o que fazer. Então... BRAÇOS. Talvez por acreditar que ao se permitir algumas expressões seria definitivamente possível para os outros decifrá-la sem muito esforço.

Quarta camada: O “pode entrar”. Tinha dificuldade em levar consigo alguém para viver. Vivia, isso é fato. Com algumas loucuras em que embarcava sozinha e os poucos alguéns que conseguia carregar estavam lá (há anos) porque tiveram seus devidos méritos. Aaahh como foram insistentes! Ela os AMA. Vez ou outra sorri ao se lembrar das primeiras impressões (sempre ruins) confessadas por eles. Sorria porque talvez, no fundo, sempre acreditou que ao permitir um espacinho no coração que já havia sido tão machucado (mas só para um interlocutor bem instigado) fosse possível decifrá-la sem muito esforço.

Das camadas que levam ao intangível e fazem com que a gente deixe ir quem nem ao menos demos a chance de entrar. Viva a Covardia Contemporânea!